Na festa do crédito, eles são os convidados especiais. O governo, o anfitrião, estendeu tapete vermelho e comemora a chegada dos beneficiários dos seus próprios programas, como o Bolsa Família, dos trabalhadores da informalidade e de milhares de outras pessoas que estavam excluídos do mercado de consumo.
Afinal, agrupados nas classes C, D e E, com renda familiar até R$ 2.800 por mês, estima-se que eles representem 85% das famílias brasileiras, movimentem R$ 550 bilhões --metade da renda nacional--, já respondam por cerca de 25% do volume de empréstimos concedidos às pessoas físicas e tenham ajudado a sustentar o crescimento de 5,4% em 2007.
Quem não está muito confortável com tamanha movimentação é o Banco Central. No papel de segurança da festa, ficou com a responsabilidade de garantir a normalidade e de enquadrar os excessos.
No entanto, esses convidados - gente como a empregada doméstica Altiva Fernandes de Souza, 39, o vigia Orliam Oliveira, 38, e a diarista Gorete dos Santos, 43 - pouco respondem ao seu comando.
Empolgados com a possibilidade de entrar numa loja e levar para casa bens há muito tempo desejados e a que eles dificilmente teriam acesso sem "a facilidade do pagamento parcelado", eles não sabem o que é a taxa Selic (referência de juros para economia) e não se preocupam se ela caiu, subiu ou se irá permanecer em 11,25% anuais ao longo de 2008 por causa "da confusão nos Estados Unidos."
Também não sabem que os alertas conservadores da ata do Copom (Comitê de Política Monetária do BC) fizeram os juros futuros (projetados para março do ano que vem) subirem 0,5 ponto percentual. Como, na prática, são essas taxas que impactam o custo dos empréstimos concedidos pelos bancos, pelas financeiras e pelo varejo no curto prazo, essa foi uma das formas escolhidas pelo Banco Central para atingir o público das compras a crédito.
Com isso, agora, o Ministério da Fazenda estuda medidas para tentar desacelerar o ritmo de concessão dos financiamentos no país. E o foco das propostas em discussão atingirá, sobretudo, as classes de menor renda, já que a idéia é diminuir o número de prestações oferecidas pelos bancos e instituições de crédito.
De olho nas parcelas
A matemática desses consumidores é bem simples. "Na verdade, a gente olha o valor do bem no Ponto Frio, nas Casas Bahia e em outras lojas e faz a comparação para ver quem oferece mais vantagem, a melhor prestação", diz Altiva Fernandes de Souza. "Não compro em qualquer lugar. Olho a qualidade, o preço à vista e quanto fica a parcela no cartão. Faço, no máximo, em dez vezes", diz Gorete dos Santos.
Para essa população, juros são calculados em reais, equivalem à diferença entre o total das parcelas que serão pagas e o preço à vista da mercadoria e são toleráveis desde que, no final das contas, o valor desembolsado não ultrapasse o dobro do preço à vista. A regra, no entanto, é flexível e pode não ser aplicada a bens mais caros como geladeiras ou aquele sofá dos sonhos.
De acordo com dados obtidos em instituições de crédito para baixa renda, mais de 70% dessas pessoas concordam com Altiva e Gorete. O que conta na hora de fazer o crediário é o valor e a quantidade de parcelas. Menos de 10% dizem se incomodar com o percentual de taxa de juros.
Novo mercado
Como é um mercado novo, em que os próprios bancos estão aprendendo a trabalhar, é difícil obter estatísticas exatas. Quem as tem guarda a sete chaves porque elas são consideradas informações estratégicas num mercado intensamente disputado.
"Há um grande mercado a explorar. As classes de maior renda já estão bem assistidas. É preciso desenvolver produtos de crédito para baixa renda", afirma Gilberto Salomão, diretor-geral do Lemon Bank, instituição lançada em 2002 voltada para pessoas com menor renda familiar.
O desafio? "Ter modelos que asseguram baixa inadimplência. Hoje, ela está dois pontos acima da média do sistema", completa Salomão. Criado para emprestar para pessoas que nunca tiveram conta bancária, não têm uma renda constante e cujo histórico de crédito é desconhecido do sistema financeiro, o BPB (Banco Popular do Brasil), vinculado ao Banco do Brasil, chegou a registrar atrasos em mais de 30% de suas operações.
Foi reformulado, reduziu a inadimplência para 20% e, agora, luta para deixar essa taxa em um dígito e sair do prejuízo. "Essa é uma população que não tem sensibilidade à taxa de juros porque está começando a consumir agora. Com o aumento do crédito e da concorrência, isso deverá pesar mais. Estamos ainda na primeira fase", afirma Robson Rocha, presidente do BPB.
Na avaliação dele, essas pessoas representam um mercado bilionário de consumo, e o setor financeiro já percebeu. Por isso, é natural que o BC esteja preocupado com o crescimento dessa massa de crédito.
Para Haroldo Torres, diretor do instituto de pesquisa Data Popular, como o nível de escolaridade no Brasil é baixo, a educação financeira deverá demorar mais tempo para surtir o efeito desejado pelo Banco Central. "Não é simples para essas pessoas. Discutir juros em percentual ao ano não faz parte da vida delas" .
Fonte: Site Folha Online
0 comentários:
Postar um comentário
Se você quer fazer algum comentário sobre esta postagem, fique a vontade em expressar sua opinião; desde que:
1. Tenha a ver com o assunto;
2. Não haja ofensas pessoais;
3. Não contenha links e spams;
4. Só comente de boa vontade.